• Escolas particulares adotam os livros digitais
A agitação dos alunos é a mesma de todo início de aula, em qualquer escola e em qualquer turma de garotas e garotos com seus 15 anos. Embalados pelo calor de uma tarde de fevereiro, falam alto e dão risadas. Como sempre, o professor gasta preciosos minutos da aula para acalmar o grupo, usando frases que soam familiares. “Vamos sentando, pessoal”, “Por favor, a aula vai começar”, “Gente, vamos lá, silêncio”. Aos poucos, o volume da conversa diminui, eles se sentam, tiram o material das mochilas. É quando chega aquele momento em que se espera ouvir outra frase-padrão: “Peguem seus livros e abram na página tal”. Em vez disso, Adalberto Castro, que ensina química para o ensino médio, pede a seus alunos que abram seus tablets. “Baixem os aplicativos Chemical e PSE”, diz. “Vamos usá-los nesta e na próxima aula.” A partir daí, as coisas começam a parecer um pouco diferentes do que numa aula tradicional sobre moléculas.
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Castro trabalha na Escola Internacional de Alphaville, em São Paulo, uma das poucas escolas particulares do país que adotaram livros didáticos digitais acessíveis por tablets. A chegada das obras de editoras como Ática, Scipione, FTD e Moderna aos colégios é o primeiro movimento significativo, desde o início da febre dos tablets na escola, em direção a uma mudança concreta no ensino. Há cerca de um ano, os aparelhos serviam mais como marketing que como material didático. Passada a euforia da novidade, agora as escolas começam a experimentar, de maneira mais planejada, seu uso em sala de aula. O conteúdo do currículo escolar acessível pelo tablet ajuda a descobrir o que se ganha colocando aparelhos caros, frágeis e fascinantes na mão de professores e alunos.
Em janeiro, o Ministério da Educação – comprador de cerca de 80% dos livros didáticos – anunciou que abrirá licitação para livros didáticos digitais. Eles serão adotados nas escolas públicas de ensino médio em 2015. Dois meses antes, o governo distribuiu tablets para os professores das mesmas escolas, em treinamento para usá-los.
Há diferentes modelos de livro didático digital. O mais simples é apenas uma cópia do livro impresso em capítulos, que pode ser acessada por qualquer computador. Esse modelo existe há algum tempo. Há uma versão um pouco mais sofisticada, que se limita a incluir no livro de papel, ao longo dos capítulos, endereços eletrônicos. Esses endereços são acessados pelos alunos num portal de conteúdo didático, desenvolvido pela editora, que armazena complementos eletrônicos ao livro impresso. O que chega agora nas escolas é algo distinto. São coleções inteiras de livros de diferentes disciplinas, feitas para usar no tablet. Esse livro virtual reúne textos dos livros de papel e recursos multimídia. Sem sair do livro ou do tablet, alunos e professores podem ver vídeos, tocar músicas, entrar em galerias de fotos, baixar aplicativos, consultar gráficos animados e a internet. O professor tem seu próprio tablet, de onde pode acessar o aparelho dos alunos para fazer intervenções, como grifar trechos de um texto.
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A combinação entre conteúdo didático digital e as peripécias de que um tablet é capaz se conectado à internet é uma isca para escolas, professores e alunos. Algumas vantagens surgem de cara. A primeira é atrair a atenção dos alunos para o conteúdo. Engajar o aluno na aula é um dos maiores desafios dos professores. Eles lançam mão do tablet para se aproximar dos alunos, e os alunos, do que será ensinado na aula. “O envolvimento da turma numa aula com tablet é visivelmente maior”, afirma Silvana de Franco Rodrigues, diretora pedagógica do Colégio Piaget, de São Paulo. “A vantagem de ter um aluno motivado é que há mais chance de ele se interessar pelo assunto da aula”, afirma Cristiano Mattos, pesquisador do ensino de ciências da Universidade de São Paulo (USP).
Os professores afirmam que conseguem aproveitar melhor os 50 minutos da aula. Sandra Hoefling Petracco, professora de português e literatura do Piaget, costuma incrementar suas aulas com trechos de filmes, músicas e outros recursos multimídia. É um alívio para ela não ter mais de se virar com televisão, DVD, projetor, computador, pen drives. Sandra começou a usar o tablet com conteúdo didático digital neste ano, com seus alunos do ensino médio. “Perdia um tempão colocando todos esses aparelhos para funcionar”, diz. “O conteúdo da aula no tablet me dá todos os recursos com um toque. Com isso, tenho mais tempo para circular pela classe e interagir com os alunos.”
O potencial dos livros didáticos digitais ainda está longe da atual realidade das salas de aula. Eles poderão ser mais eficientes se associados a sistemas de monitoramento e avaliação de desempenho. Esses sistemas conseguem medir como o aluno usa o material para estudar em casa. Fazem estatísticas para avaliar o grau de acerto, o tempo usado em cada lição ou estudo e outros indicadores que mostram se um aluno está com dificuldades ou se uma turma inteira está ficando para trás. Isso dá tempo à escola ou ao professor para intervir. Também permite que o professor adapte o ensino a alunos com ritmo e estilo diferentes. Alguns entenderão a reprodução celular com um gráfico, outros com um vídeo, outros ainda gostarão de um texto. Outra vantagem dos sistemas de ensino digital é que os trabalhos, feitos on-line, ficam para sempre acessíveis ao aluno. Ninguém precisa guardar pilhas de cadernos velhos no alto do armário.
A consulta, com funções de busca por assunto ou palavra-chave, é melhor para relembrar alguma lição aprendida em anos passados. Esses sistemas já existem no mercado brasileiro. Falta fazer a integração com o conteúdo didático.
Se todas essas vantagens dos livros didáticos digitais melhorarão o ensino é o que realmente importa. Como garantir que o encantamento dos alunos pelo tablet no início do ano vire nota boa no final? Essa discussão não começou com o livro didático digital. Nem com os tablets. Antes, havia o laptop. Antes deles, os laboratórios de informática. Estudiosos do uso de tecnologia na educação afirmam que a migração dos livros didáticos para o meio digital é uma excelente oportunidade para turbinar o aprendizado. Mas há medidas cruciais para que essa oportunidade se concretize. “O conteúdo dos livros é apenas uma parte do processo de aprendizado”, afirma Cesar Nunes, consultor internacional de tecnologia e educação.
A outra é o professor, que nunca teve papel tão essencial quanto agora. “Virei uma estudiosa de aplicativos”, diz Sandra, do Piaget, professora há quase 40 anos. Antes de optar pelo conteúdo didático digital (no caso do Piaget, do Uno Internacional, uma empresa da editora Santillana), os professores do Piaget formaram uma espécie de clube do aplicativo. Cada um pesquisava e testava aqueles que poderiam ser usados em sala de aula. O resultado foi um banco de aplicativos, usados em combinação com o conteúdo curricular. Para fazer isso, os professores precisam de treinamento. “Tanto os que estão dando aulas agora quanto os que ainda não se formaram”, afirma Sérgio Amaral, coordenador do Laboratório de Inovação Tecnológica Aplicada na Educação, da Universidade de Campinas (Unicamp). Ele defende ainda que a única forma de fazer uma avaliação confiável do benefício dos tablets é usar métricas para avaliar o impacto no aprendizado.
Fora da escola, as editoras ainda têm muito trabalho a fazer. Há uma queixa geral entre educadores sobre o conteúdo digital oferecido. “Ainda precisa melhorar – e isso é urgente”, afirma Amaral. As editoras foram surpreendidas pela demanda das escolas particulares por versões para tablet. “Foi como um tsunami”, diz Fernando Moraes Fonseca Jr., gerente de inovação e novas mídias da editora FTD. Forçadas a mudar sua linha de produção e o perfil de seus funcionários (agora pesquisadores e educadores dividem suas mesas com programadores e desenvolvedores de softwares), elas ainda tentam se adequar. “O modelo de negócios ainda está indefinido”, afirma Sérgio Quadros, presidente da Associação das Editoras de Livros Didáticos e presidente da Santillana. A maioria das grandes editoras nem sequer vende o livro digital separado do impresso. O aluno compra o livro de papel e ganha um login e senha para acessar o digital.
O Brasil está no mesmo passo que outros países, que também tentam encontrar o melhor caminho para o uso dos livros didáticos digitais em tablets. A Coreia do Sul, com um dos sistemas de ensino mais eficientes e conectados do mundo, acaba de voltar atrás na decisão de substituir totalmente o livro impresso por tablets. Esse era o plano do governo, que começou a conversar com as editoras em 2009. Agora, as aulas serão com tablets e livros de papel. A justificativa foi a preocupação com o excesso de uso de aparelhos como smartphones, tocadores de música e tablets pelos jovens. Obrigar a usar mais um dentro da escola, avaliou o governo coreano, poderia ser mais prejudicial que benéfico. Os coreanos também não adotarão os aparelhos na alfabetização. Nos Estados Unidos, o governo anunciou no final do ano passado que todos os livros didáticos nas escolas públicas serão digitais.
Extraído da Revista Época em 02/10/2013.
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